mercredi 5 décembre 2012

#Portugal: Governo avulso - "O povo é quem mais ordena" ?

[...] Não somos a Grécia, gritavam os membros do actual Governo, há um ano, com alguma insistente sobranceria. Vendo as coisas, comparativamente, à luz de hoje, é caso para dizer, "antes fôssemos". A chanceler Merkel cumpriu o que várias vezes disse, nos últimos tempos: "Não deixarei cair a Grécia." E, felizmente, não deixou. E lá se arranjou o dinheiro necessário para dar à Grécia. E não foi pouco... Quando há vontade política, é assim que acontece.

Subitamente, Passos Coelho mudou o discurso e disse, no último encontro, que precisava de ser ajudado como a Grécia. Mas os seus interlocutores fizeram ouvidos de mercador e não deram qualquer resposta ao "discípulo dilecto" da chanceler. E devem mesmo ter dito, entre eles, com a mesma indiferença de um conselheiro do Governo: "Arranjem-se!"...


Daí resultou que o ministro das Finanças teve o gosto de voltar a fazer cortes e mais cortes, deixando a maioria dos portugueses no desemprego e a pão e água. Entretanto, Passos Coelho lembrou-se de que a Constituição é mais generosa em matéria de ensino do que em saúde e, vai daí, teve a ideia peregrina de anunciar que vai cortar no ensino, até agora gratuito, esquecendo-se ou ignorando o art. 74.º da Constituição, que diz: "Na realização da política de ensino, incumbe ao Estado: assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito [...] " No que foi desautorizado pelo ministro da Educação. Mas isso parece não ter importância para o actual Governo, tanto que o primeiro-ministro já deu o dito pelo não dito, como está a ser seu costume.

Quando se discute se o Orçamento do Estado é ou não constitucional, sem qualquer deputado afirmar que gosta dele, embora tenha votado a favor - e havendo grandes constitucionalistas, como o prof. Doutor Jorge Miranda ou o professor Bacelar de Vasconcelos que defendem que não é possível obrigar os estudantes a pagar, para poderem receber o ensino gratuito -, lançou-se uma ideia que só pode ter sentido vinda de algum incapaz e sem qualquer critério ou sentido de responsabilidade. Já o sabíamos. Mas parece que o ministro da Educação e Ciência - onde vai a ciência se os nossos melhores cientistas, infelizmente, por não terem trabalho, começam a emigrar - parece ter uma opinião contrária e expressou-a com clareza.

Aliás, isso não teve qualquer importância, porque no Governo de Passos Coelho a regra é ninguém se entender. Desde o terceiro ministro, que devia ser segundo, Paulo Portas, até ao ministro da Segurança Social, que devia chamar-se da insegurança social, passando pelo "Álvaro", que finalmente compreendeu que a austeridade com a recessão crescente e o desemprego a atingir 17% - o terceiro mais alto da Europa -, tudo o que possamos fazer leva-nos, necessariamente, ao abismo. Se não formos capazes de mudar rapidamente de política, claro.

Os portugueses estão desesperadamente contra este Governo. Não há qualquer dúvida. Contudo, Passos Coelho diz que não se aflige com isso. Talvez até goste. Mas é preciso que se lhe diga, antes que seja tarde, que corre grandes riscos. Inúteis. Tem Portugal inteiro contra ele: sacerdotes, militares, de alta e baixa patente, cientistas, académicos, universitários, rurais, sindicalistas, empresários, banqueiros, pescadores, portuários, médicos e enfermeiros e, sobretudo, a maioria dos seus próprios correligionários do PSD. Mas fica na mesma, entre avanços e recuos, sugerindo ideias e abdicando delas, sem se aperceber das contradições em que cai, mas sempre a piorar. Já não se lembra que, quando era líder dos jotas do PSD, gritava com os outros: "O povo é quem mais ordena"? Agora, obviamente, não é. O povo não existe para o primeiro-ministro e para o seu Governo. Tenha, pois, cuidado com o que lhe possa acontecer. Com o povo desesperado e, em grande parte, na miséria corre imensos riscos. É preciso e indispensável mudar de política. Com esta política - e a intervenção permanente do ministro das Finanças - tudo vai de mal a pior. São os militantes do PSD que o reconhecem. Será que seremos a Grécia? Ou pior do que ela? [...]

in O Tempo e a Memória por Mário Soares (DN)

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