samedi 3 novembre 2012

#Crise - La "onde se trabalha por meio pão, a escola é para quem pode pagá-la, os pobres doentes morrem na rua e os "vadios" vão para os trabalhos forçados"


Duas cidades 

Este é o pior dos tempos e este é o melhor dos tempos. No Portugal à beira de 2013, transido de pavor e desalento perante o que aí vem, a abertura de História de Duas Cidades, de Dickens (ao qual vale pena a pena voltar para recordar - ou aprender - o que é uma sociedade, a da Inglaterra do século XIX, pré-Estado social), ecoa as duas perspetivas sobre o que está a acontecer. De um lado os que sabem que os aumentos de impostos e os cortes na despesa social vão pôr toda a sua vida em causa, de outro os que, sem sequer disfarçarem, esfregam as mãos perante o que veem como um ajuste de contas com o passado pelo qual, percebemos agora, tanto ansiavam

Um ano e três meses após a posse deste Governo estamos perante a sua, digamos, verdade nua: a determinação de desmantelar o conjunto de políticas que constituem o cerne da construção estatal e social da democracia portuguesa. Há até quem creia que a aparatosa incompetência do ministro das Finanças, a sua incapacidade de acertar uma única previsão ou cumprir uma única meta redobrando a seguir a dose da mesma receita falhada é, só pode ser, parte de um plano diabólico para nos deixar a todos tão de joelhos com sucessivos aumentos de impostos que o corte das funções sociais do Estado nos surja como "única saída". É uma hipótese interessante para explicar tanta arrogante azelhice, mas o certo é que para a decisão que temos de tomar pouco importa que Gaspar e Passos sejam alucinados incapazes de perceber que a receita não funciona ou estejam a aplicá-la precisamente porque conduz o País para a ruína sobre a qual planeiam reconstrui-lo novinho em folha.
 
O contrato eleitoral entre os partidos da maioria e o País foi quebrado. PSD e PP não submeteram a escrutínio o aumento incessante de impostos e o desmantelamento do Estado social. Pelo contrário: sabendo que isso implicava um resgate, Passos e Portas rejeitaram o PEC IV por "não aceitarem" subir mais impostos e (não esquecer esta parte) cortar mais nos apoios sociais. Não sabiam, Passos e Portas, que a esmagadora maioria dos gastos do Estado, juros da dívida à parte, são despesas sociais e salários com elas relacionados? Devem demitir-se por manifesta e inaceitável impreparação. Sabiam? Agiram de má-fé. Mentiram.

Todos os políticos mentem e prometem o impossível - diz o coro do costume. Bom, nesse caso esta é uma belíssima ocasião de nós, o povo, tornarmos claro que mentiras e promessas vãs não são aceitáveis. E em que cidade queremos viver. A de Dickens, onde se trabalha por meio pão, a escola é para quem pode pagá-la, os pobres doentes morrem na rua e os "vadios" vão para os trabalhos forçados, ou a que construímos - construímos, sim - em 38 anos de democracia. Só por isso, por nos fazer presente que o que temos não caiu do céu, não esteve cá sempre e pode perder-se se nada fizermos, este pior dos tempos pode ser também o melhor. 

por Fernanda Câncio

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