Processe-se Passos, Gaspar e a Troika
Os responsaveis pelos maus resultados da economia devem ser
julgados?
Quem impõe tantos sacrifícios às pessoas e não cumpre, merece
ou não merece ser responsabilizado civil e criminalmente pelos seus actos? Não
se assuste já, caro leitor, se for apoiante do governo.
A proposta não vem de um estudante indignado, um desempregado
excessivo, um reformado fulo ou de um cantor de Grândola exagerado. A proposta
de responsabilizar civil e criminalmente os políticos que impõem “tantos
sacrifícios às pessoas” e não cumprem” foi avançada por um cidadão cujo número
de contribuinte anda a ser cravado em múltiplas facturas. Estávamos no distante
dia 5 de Novembro de 2010, quando Pedro Passos Coelho fez a proposta de
criminalizar civil e criminalmente os políticos que impõem “tantos sacrifícios”
e não obtêm resultados. Claro que na altura Passos Coelho era líder da oposição
- uma espécie de “outra vida”, habitualmente desvalorizada enquanto fenómeno
paranormal pelos seus apoiantes.
Ora, nessa longínqua sexta-feira, Passos não se limitou a
cantar uma canção antiga ao primeiro- -ministro Sócrates. Propôs julgá-lo nos
tribunais, uma vez que os responsáveis pelos “maus resultados da economia” não
poderiam continuar “a andar de espinha direita, como se não fosse nada com
eles”. Há imensa gente que continua também a não entender como Passos e Gaspar,
depois da revelação das últimas consequências das suas políticas, continuam a
“andar de espinha direita”.
O baú da política é um lugar carregado de emoções. Nessa
sexta-feira, em Viana do Castelo, Passos era outro homem - e foi esse homem que
foi sufragado pelo povo, de onde decorre a legitimidade democrática.
Mais uma citaçãozinha do tempo em que Passos Coelho era um
antepassado do primeiro-ministro: “Sempre que se falham os objectivos, sempre
que a execução do Orçamento derrapa, sempre que arranjamos buracos financeiros
onde devíamos estar a criar excedentes de poupança, aquilo que se passa é que
há mais pessoas que vão para o desemprego e a economia afunda-se”. Na altura, a
proposta de criminalização não foi extraordinariamente bem sucedida. Marcelo
Rebelo de Sousa admitiu que seria possível, eventualmente alargando o leque dos
crimes de “gestão danosa”.
A ideia de Passos Coelho de sujeitar a responsabilidade
criminal a destruição económica do país talvez possa ser recuperada - sem nunca
esquecer no processo a Comissão Europeia, o BCE e o FMI, mandantes e cúmplices
activos da implosão social.
Passos em 2010: “Quem impõe tantos sacrifícios às pessoas e
não cumpre, merece ou não merece ser responsabilizado civil e criminalmente
pelos seus actos?”, questionou Passos Coelho em Viana do Castelo, em 2010
Eles comem tudo e não deixam nada
"Feliz é o país que protesta com uma canção",
Vivianne Reding
Houve ontem duas vozes sensatas no meio do turbilhão que
percorre o espaço público e político a propósito das “flash mobs” da Grândola -
uma iniciativa do movimento que organiza a manifestação de 2 de Março. Quem
aterrasse em Portugal depois de 25 anos isolado na Lapónia sem internet ou
rádio poderia julgar, ouvindo alguns deputados da direita, que o parlamento
estava cercado, o governo sequestrado, um golpe militar em curso ou coisa que o
valha. E, como disse ontem a vice-presidente da Comissão Europeia Vivianne
Reding, “feliz é o país que protesta com uma canção” e não “com violência nas
ruas”. A fúria popular existe, é profunda, está longe de se confinar a uma
minoria organizadora de manifes, mas em Portugal tem sido canalizada da forma
mais suave possível. Digamos que os organizadores da manif até na escolha da
“Grândola” como hino daquela espécie de flash mobs mostraram a sua, digamos,
tentativa de moderação.
Outro significado teria a escolha de “Os Vampiros”, que “com
pés de veludo”, “comem tudo e não deixam nada”. Mas é interessante constatar o
nível de violência com que o poder dominante tem comentado os episódios da
“Grândola”. O governo tem reagido acossado como se existissem tiros nas ruas ou
nas manifestações como na Grécia – é extraordinário como é tão fácil fazer este
governo perder a cabeça. Afinal manifestações populares todos os governos
anteriores as tiveram e não estavam a aplicar um programa que implodia a coesão
social. Ontem a ministra Paula Teixeira da Cruz veio repor alguma da sensatez que
faltava lá para as bandas do governo - uma actividade que todos os dias se
comprova não ser para meninos. Disse a ministra que “as pessoas cantarem
‘Grândola, Vila Morena’ significa que estão a apelar, e é preciso entender
esses apelos neste momento difícil, neste momento duro”. Infelizmente, a grande
massa do governo e dos seus apoiantes não está a entender estes apelos -
julgando-os confinados a minorias não representativas. É preciso não andar na
rua - nem estar desempregado ou ter um familiar nesta situação - para pensar
que por desconhecidas e minoritárias que sejam as personagens que organizam
estas sessões não representam um profundo sentimento popular de combate ao
governo. Infelizmente para Passos Coelho, não vai ser apenas a base eleitoral
do PCP e do Bloco de Esquerda que vai aparecer nas ruas no dia 2 de Março. Vão
ser pessoas de todos os lados, inspiradas nos recibos de vencimento de
Fevereiro, nos irmãos desempregados e nos pais que levaram um corte alucinado
nas pensões.
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